Vasco Pulido Valente
Jornalismo
23-02-2020

Vasco Pulido Valente, os jornais, a democracia e a Internet

Foi historiador, escritor, ensaísta, comentador político. Vasco Pulido Valente (1941-2020), um dos mais conceituados analistas políticos e sociais portugueses, morreu sexta-feira, 21 de fevereiro, aos 78 anos.

Ao longo de mais de cinco décadas, Vasco Pulido Valente escreveu para diversos jornais portugueses, como o “Público”, “Expresso”, “Diário de Notícias” e o já desaparecido “O Independente”, cuja direção chegou a integrar.

Também foi um dos impulsionadores da revista “Kapa”, na década de 1990. E foi comentador político na TSF, na Rádio Comercial e na TVI.

Vasco Pulido Valente

Nasceu em Lisboa, a 21 de novembro de 1941, tendo como nome completo Vasco Valente Correia Guedes, no seio de uma família de comunistas ligados à oposição ao salazarismo. Os seus pais, Júlio Correia Guedes e Maria Helena Pulido Valente, pertenciam ao PCP. Por não gostar do seu nome, optou por outro, quando tinha cerca de 17 anos, como admitiu em diversas entrevistas.

Foi Secretário de Estado da Cultura em 1980, durante o Governo de Francisco Sá Carneiro. Cinco anos depois, integrou a direção do Movimento de Apoio de Soares à Presidência (MASP), que dirigiu a campanha de Mário Soares, depois eleito como Presidente. Eleito como deputado independente nas listas do PSD, liderado por Fernando Nogueira, em 1995, abandonou o cargo apenas quatro meses depois, desiludido com a vida parlamentar.

Licenciou-se em Filosofia pela Faculdade de Letras de Lisboa, onde se envolveu nas lutas académicas contra a ditadura e integrou o Movimento de Ação Revolucionária (MAR), liderado por Jorge Sampaio, então estudante da Faculdade de Direito de Lisboa. Acabou, contudo, por se aproximar do grupo da revista portuguesa O Tempo e o Modo, a que pertenciam Alçada Baptista e João Bénard da Costa.

No final da década de 60, uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian permitiu-lhe estudar em Inglaterra, onde se doutorou em História, pela Universidade de Oxford, com a tese O Poder e o Povo: a revolução de 1910. Foi professor no Instituto Superior de Economia, no ISCTE, na Faculdade de Direito de Lisboa e na Universidade Católica.

Vasco Pulido Valente

Partilho com os leitores algumas frases de Vasco Pulido Valente sobre os jornais, a democracia e a Internet, que traduzem as suas ideias sobre as consequências da Internet no espaço mediático, em particular no mundo dos jornais.

"Talvez seja bom ler uns livros durante uns anos antes de começar a dar opiniões."

“Não posso dizer o que será a democracia sem jornais. Uma democracia só com televisões? Não sei… E com televisão de bolso ainda menos…”

“Os jornais portugueses, leio-os todos… Estão uma miséria. Mas, também, com o que pagam aos jornalistas… É uma das classes onde a proletarização foi mais acentuada.”

“Os jornais implicam uma disciplina. Eu vi isso quando estive no ‘Observador’ – os jornais online têm dois infinitos: cabe sempre mais uma notícia e cabe sempre mais uma coluna. É uma infinitude. Isso é um problema, porque não obriga a escolhas. Ninguém seleciona nada. Cabe tudo, por mais disparatado que seja.”

“Os jornais em papel obrigam a uma disciplina e a uma hierarquia: qual é a ordem, qual é a página onde entram, qual o espaço de cada texto. A infinitude de espaço e a falta de limites faz-me desconfiar imenso dos jornais online, porque não obriga a uma hierarquia nem a disciplina do repórter. Se tiver de escolher, se tiver de traçar um mapa, diz às pessoas: é isto que vocês precisam de saber sobre a realidade, por esta ordem.”

“Não me imagino a ser informado sobre o mundo sem os jornais e as revistas, sem a ‘Economist’, sem o ‘Spectator’. Não me consigo imaginar a ser informado só pelos noticiários das televisões, e olhe que eu vejo muitos noticiários das televisões, cinco ou seis horas por dia…”

“É evidente que os jornais em papel teriam de sofrer, já que iam vender menos e ter menos publicidade à medida que os computadores e todo o resto dessa parafernália se foram expandindo. Isso levou os jornais a reduzirem as despesas com pessoal e deixou muitos maus jornalistas nas redações.”

“[Acha que os jornais estão piores?] Estão. Por amor de Deus, cometem erros de gramática e de ortografia nos títulos. Eu não sei o que ensinam na escola, mas eles já saíram da escola há muito tempo.”

“O público de leitores nunca foi grande. Sucessivamente, com a televisão e a Internet, foi diminuindo. As pessoas que tinham alguma formação saíram dos jornais e foram substituídas por estagiários analfabetos. E depois nunca houve coragem, na democracia portuguesa, para órgãos se declararem de esquerda ou direita. Com os jornais de papel — não sei como é com os jornais da Internet — as pessoas têm uma relação afetiva. Querem ver lá explicado o que elas sentem. (…) Os jornais nunca dizem ao que vão. Vê-se onde estão pela importância que dão a certas notícias, pelos títulos, pelas cartas dos leitores que publicam… Os jornais em Portugal são de direita ou de esquerda, mas na clandestinidade.”

"É bom as pessoas não serem passivas. O pior de tudo num regime democrático, que ainda temos, é a passividade e a Internet tira as pessoas da passividade."

“Hoje toda a gente dá opinião em todo o lado: nos fóruns das rádios e da televisão, nos blogues, nas redes sociais… Esse fenómeno é bom. Claro que há muitos analfabetos e ignorantes que estão na Internet só para espirrar as suas fúrias e o seu mau caráter. Mas a comunicação em si é boa. É bom as pessoas não serem passivas. O pior de tudo num regime democrático, que ainda temos, é a passividade e a net tira as pessoas da passividade.”


Com Francisco Sá Carneiro e Freitas do Amaral no Governo da Aliança Democrática, em que Vasco Pulido Valente foi secretário de Estado da Cultura.

VOLTAR